
06/05/2025
Há mais de um século e meio, um grupo de 11 escravizados foi responsável por um feito de benefícios ecológicos sentidos até hoje: o início do reflorestamento do Parque Nacional da Tijuca. Agora, o Ministério Público Federal (MPF) quer garantir uma reparação histórica a cada uma destas pessoas.
Em ofício enviado no último dia 3 ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o órgão propõe a construção de um memorial dedicado ao reconhecimento do trabalho ao qual foram submetidos, além da divulgação dos nomes e das biografias de Eleutério, Constantino, Manoel, Mateus, Leopoldo, Maria, Sabino, Macário, Clemente, Antônio e Francisco.
— Não seria um espaço de memória sem precedentes porque há outros no Brasil. Mas seria o primeiro dedicado exclusivamente ao trabalho dos povos escravizados. Hoje, na entrada do centro de visitantes do setor Floresta da Tijuca, há uma estátua pequena com uma placa discreta, o que é incompatível com a importância histórica dessas pessoas. Nosso objetivo é que eles sejam lembrados e homenageados — diz o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama. — Se houver interesse, acompanhado de um estudo mais aprofundado, podemos ser colaboradores, inclusive.
Procurado, o ICMBio afirmou, em nota, que “a administração do parque irá avaliar as sugestões contidas neste documento”, embora, de antemão, considere a iniciativa “alinhada aos seus objetivos de auxiliar, dentro das ações possíveis, a promoção da reparação histórica”. A instituição destacou ainda que já existe, há anos, uma homenagem às pessoas negras escravizadas que atuaram no plantio, representada por uma estátua simbólica, cuja placa de identificação “passará por melhorias e atualização”.
De acordo com o MPF, a proposta do memorial foi motivada pelo Projeto de Lei 605/2023, aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O texto prevê a inclusão, no Livro dos Heróis e Heroínas do Estado, dos nomes dos 11 escravizados que participaram do início do reflorestamento. A proposta, de autoria da deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), aguarda sanção do governador Cláudio Castro (PL).
— O projeto nasce num dia de calorão, durante uma visita à floresta, a caminho de uma cachoeira, quando vi a estátua que homenageia os escravizados responsáveis por esse feito histórico. É um capítulo invisibilizado da nossa História. Escravizados reflorestaram uma região que é o pulmão da cidade. São verdadeiros heróis do meio ambiente — afirma a parlamentar.
A expansão das lavouras de café na região, na primeira metade do século XIX, levou à devastação do solo, à disseminação de doenças e a uma crise hídrica severa — agravada pelo desmatamento das matas que protegiam as nascentes. Em 1862, o imperador Dom Pedro II ordenou a desapropriação de terras para garantir o reflorestamento como uma das principais formas de reverter a falta de água na cidade do Rio. Coube aos escravizados a responsabilidade de plantar as primeiras mudas e a pensar a nova configuração da mata.
— Entre 1862 e 1894, foram cultivadas em torno de 155 mil mudas na Tijuca e cerca de 30 mil nas Paineiras. E não foi algo feito de qualquer maneira. Cada muda deveria estar a cinco palmos de distância uma da outra, e eram os próprios escravizados que cuidavam de todo o processo. Eles privilegiaram espécies nativas e madeira de lei e transportaram as mudas até áreas muitas vezes de difícil acesso — explica o pesquisador e professor de biologia da PUC-Rio Gabriel Sales.
A floresta plantada pelos escravizados corresponde, hoje, a cerca de 14% da área total do Parque Nacional da Tijuca. Sem ela, dizem especialistas, a temperatura do Rio seria entre 4ºC e 6ºC mais elevada.
— Os benefícios ecológicos, tanto na regulação hídrica, essencial para a época, quanto no conforto térmico oferecido pela vegetação, são frutos direto desse trabalho. Além disso, a floresta se tornou um espaço sociocultural importante para o convívio de cariocas e turistas com a natureza — afirma Sales.
Fonte: O Globo

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