
07/10/2025
Mesmo pressionado pelo desmatamento, mudanças climáticas e incêndios florestais, o cerrado ainda guarda tesouros. Uma dessas relíquias foi encontrada nos fundos da propriedade de Domingos Ferreira da Silva, aos pés da Serra Geral de Goiás, próximo à divisa de Goiás com o Tocantins e a Bahia.
"A primeira vez que vi esse lugar foi em 2015. Meu pai me chamou e disse: ´Vamos ali, quero te mostrar uma coisa bonita´", conta Rodrigo Ferreira da Silva, filho de Domingos.
"A gente foi andando de cavalo na areia e de longe eu já vi aquela coisa estranha." Pai e filho ainda não sabiam, mas estavam diante das chamadas chaminés de fada, também conhecidas como "demoiselles" (moças, em francês, pela forma que lembra a de um corpo humano), estruturas geológicas pitorescas em que uma torre sustenta rochas arredondadas na ponta, em perfeito equilíbrio.
Intrigado, Rodrigo decidiu fotografar.
Em 2022 as fotos chegaram até Joana Paula Sanchez, geóloga e pesquisadora do Laboratório de Geologia em Áreas Turísticas da UFG (Universidade Federal de Goiás).
"Estudo essa região há muito tempo e quando vi aquelas imagens fiquei impressionada", conta Sanchez.
Ela explica que, embora pequenas chaminés de fada, de poucos centímetros, sejam encontradas em barrancos por aí, poucas regiões do mundo exibem estruturas grandes como as descobertas em Goiás.
"Elas precisam de um contexto muito específico para existir, tamanhos assim são bastante raros, ainda mais espalhados por uma área grande", explica a geóloga.
É o primeiro registro desse tipo de formação geológica no Brasil. As chaminés de fada mais conhecidas estão na Capadócia, na Turquia, mas também ocorrem nos Alpes franceses, nos desertos de Utah, nos Estados Unidos, e em pequenas áreas do Canadá, da Itália e de Taiwan.
No nordeste de Goiás, as "demoiselles" chegam a atingir três metros de altura. Ao redor delas, milhares de versões em miniatura parecem brotar do solo, como se novas torres estivessem nascendo.
O fenômeno que forma chaminés de fada é chamado, na geologia, de erosão diferencial. "Precisa existir uma rocha mais dura depositada sobre outra mais frágil, que erode facilmente", explica Sanchez.
Com o passar do tempo, a ação da chuva e do vento retira os sedimentos que estão em volta das rochas mais consistentes, mas mantém a parte que está embaixo de cada bloco, que funciona como um chapéu de proteção.
Por isso, apesar da impressão de que as torres se ergueram, foi o entorno que cedeu. O resultado é uma paisagem que, embora dentro do cerrado, lembra o cenário de filmes de exploração espacial. Após a circulação das primeiras fotos, a comunidade do entorno passou a chamar o lugar de ´´Vale de Marte´´.
A Serra Geral de Goiás é parte de um extenso paredão que corta o centro do Brasil de norte a sul, dividindo os estados do Maranhão, Tocantins e Bahia.
"A formação dessa região aconteceu em uma das movimentações tectônicas mais antigas que temos no Brasil, a Sanfranciscana, há mais de 400 milhões de anos", conta Sanchez. "O movimento das placas, ainda na época que os continentes estavam juntos, causou uma depressão, uma bacia onde o arenito, que é sedimentar, se depositou."
Em sua parte alta e plana, no oeste baiano, grandes fazendas monocultoras já tomaram o lugar de quase todo o cerrado —muitas com dezenas de pivôs de irrigação bombeando água do subsolo para irrigar plantações em uma região que é, naturalmente, árida.
A captação de água tem mudado o regime de rios na parte baixa, em território goiano, onde estão pequenas propriedades e áreas protegidas como o Parque Estadual Terra Ronca e a Resex (reserva extrativista) Recanto das Araras.
A reportagem teve acesso ao "Vale de Marte" junto com membros do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e da comunidade local. O trajeto começou em um cerrado fechado que, então, se abre e dá lugar ao leito de um rio seco.
Após cerca de dois quilômetros já foi possível ver as primeiras "demoiselles", ainda em miniatura, o que obrigou o grupo a redobrar a atenção ao pisar. O ICMBio fez uma avaliação preliminar da área, anexando o relatório a um processo de criação de unidade de conservação aberto pelo órgão em 16 de setembro.
Parte da equipe decidiu pernoitar e, com o cair da noite, ventos fortes se intensificaram e tornaram o acampamento um desafio. Foi preciso amarrar as barracas em pedras para que não voassem.
Na base da Serra Geral de Goiás, as luzes alaranjadas de um incêndio se intensificaram com as rajadas, deixando claro os desafios de conservação da savana brasileira.
No céu do cerrado, a luz da Via Láctea dava à paisagem ares de surrealismo, emoldurando as chaminés de fada e lembrando que, em tempos de busca pelos mistérios do Universo, outros mundos podem ser encontrados aqui mesmo, no nosso próprio planeta.
Fonte: Folha de S. Paulo

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